Tapete vermelho estendido, música ambiente, plateia a postos e a expectativa do início da apresentação de uma nova coleção. A descrição do cenário lembra um aguardado desfile de moda, e foi exatamente isso que aconteceu no pátio da Escola Estadual Estevão Pinto, inserida dentro do Complexo Penitenciário Feminino de mesmo nome, em Belo Horizonte, nesta segunda-feira (14), para oficializar a abertura da 2ª Exposição de Arte Contemporânea da instituição.
As modelos foram as alunas de Artes, lecionadas pelo professor Eder Batista Rocha, e muitas delas autoras das próprias estampas que desfilaram. O sucesso da primeira exposição organizada pelo professor em 2017 foi tanto que inspirou a empresária Marcella Mafra a adotar as obras de arte como motivos para suas roupas e fundou a grife Libertees, exclusivamente criada e voltada para o trabalho em conjunto com as alunas da Escola Estadual Estevão Pinto e outras detentas do complexo penitenciário.
O desfile da abertura oficial da exposição estampou, literalmente, os trabalhos escolhidos para ilustrar a Libertees no Minas Trend Preview 2017, o que colocou a grife em terceiro lugar na categoria “Read To Go”, que funciona como uma revelação dos mais recentes talentos da moda. Na edição 2018 do evento fashion de Minas Gerais não foi diferente: com as obras de arte das alunas da Estevão Pinto, a Libertees, em sua coleção Inspiração, ficou novamente em terceiro lugar, na mesma categoria.
Para a diretora da Escola Estadual Estevão Pinto, Luciene Rodrigues, esta é a realização de um trabalho que é desenvolvido ao longo de todos os anos com as alunas. “O retorno tem sido maravilhoso. Elas nunca imaginaram que o trabalho realizado com materiais simples em sala de aula se transformariam em obras de arte, em exposição de arte contemporânea e, futuramente, em estampas de grife. Estão todas muito eufóricas e felizes”, disse a diretora. Ao final da cerimônia, Luciene agradeceu a presença de todos, mas o recado foi especialmente para as alunas: "Meninas, nunca percam a oportunidade de sempre buscar o melhor de vocês e para vocês, e contem com a Educação para isso. Estamos aqui para apoiar", discursou Luciene.
O professor de Artes não consegue esconder sua emoção ao falar sobre o trabalho e sobre suas alunas. “Trabalho na Estevão Pinto há 14 anos, e a cada ano vivo experiências diferentes. Para dar aula aqui é preciso ter a consciência de que se trabalha com alma para alívio do corpo e do espírito das alunas. Então, por meio de cores e traços, você consegue promover reflexões sobre atitudes, opiniões, respeito e sobre o mundo lá fora. Tive aluna que nunca tinha pegado em um lápis de cor e se revelou uma artista. Depois de ficar impressionado com os trabalhos, não tem como não organizar exposições como esta. É isso que me satisfaz, que me dá orgulho, e que me faz até pensar em não parar de trabalhar”, disse Eder.
Ao todo, 33 telas estão espalhadas pelas dependências do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto e, para a diretora executiva da instituição, Juliana Camargos, isso é um motivo de orgulho. “O reconhecimento do trabalho do professor Eder pela empresária Marcella nos mostrou resultados que nunca esperávamos, mas que é o que mais queremos para as detentas: fazer com que elas percebam que é possível ir além, basta se empenhar e acreditar para seguir caminhos rumo a uma vida melhor. É muito bom saber que elas terão por onde começar quando estiverem em liberdade”, disse a diretora executiva.
“O que eu mais amo é receber aplausos, fiquei emocionada de ter participado desse desfile”, disse a detenta Priscilla Honorato, de 27 anos. A jovem, que afirma sempre ter gostado de artes, considera uma oportunidade única e já quer mais aulas para se aperfeiçoar. “Ainda não tenho nenhuma tela de pintura que virou estampa, mas estou participando das aulas de artes, tem tela minha na exposição e outras já prontas e não vejo a hora de ver alguma roupa com algo que eu desenhei , pintei. Isso é maravilhoso, é uma forma de nós todas aqui vermos que sabemos fazer coisas boas, e isso vai nos dar uma boa imagem. Sem falar que saindo aqui podemos já começar a trabalhar”, disse Priscilla.
A 2ª Exposição de Arte Contemporânea da Escola Estadual Estevão Pinto vai até o dia 14 de junho. Quem tiver interesse em conferir o trabalho das alunas pode entrar em contato com a Secretaria de Estado de Administração Prisional de Minas Gerais para verificar os critérios de visitação.
Libertees
A grife surgiu de uma inquietação da empresária Marcella Mafra em querer algo que mostrasse o que há de bonito dentro do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto. Ela, que já tinha uma confecção dentro da instituição desde 2013 para atender outras marcas por meio da oferta de trabalho às detentas, sentiu uma necessidade de ter, em seu nome, peças de roupa que retratassem o cotidiano delas dentro do complexo.
“Não queria nada que fosse visto como um incentivo social, como apoiar o trabalho das detentas, mas sim que mostrasse o que tem de belo aqui dentro. As pessoas acham que, em lugares como esse, isso não é possível, mas é. Quando vi a exposição de arte contemporânea do professor Eder em 2017, eu vi na hora que era isso que tinha que virar a minha marca, que tinha que virar moda. Chamei, então, a minha amiga e psicopedagoga Daniela Queiroga para uma parceria, apresentamos um projeto para a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e para a Secretaria de Estado de Sistema Prisional e aí surgiu a Libertees”, explicou Marcella.
Toda a estamparia da Libertees é exclusivamente feita pelas detentas, e algumas delas também cortam e costuram parte das peças. A grife conta, ainda, com designers e estilistas para adaptar os trabalhos das alunas às peças de roupas. Além das premiações no MinasTrend, a marca vende para o Rio de Janeiro, Brasília e Sul do país.
Coleção Inspiração
A mais nova coleção da Libertees leva o nome de Inspiração e é composta por 36 peças, entre vestidos, blusas, saias, shorts, calças e macacões, todas com muitas cores e listras. De acordo com a sócia da Libertees, Daniela Queiroga, o nome do acervo vem da percepção que elas têm do trabalho das detentas. “O nome da coleção reflete exatamente o que sentimos por elas. Elas nos inspiram porque criam estampas incríveis, porque têm histórias incríveis, porque são corajosas e dispostas a aprender. E queremos compartilhar dessa inspiração, queremos espalhar por aí esse astral que as pessoas nem imaginam que elas têm, e vamos fazer isso por meio das nossas roupas”, disse Daniela.
Para quem quiser adquirir as peças, as coleções estão disponíveis na loja Tiê, na Savassi, em Belo Horizonte.