Imagine aprender sobre Filosofia grega assistindo a um programa dominical, pensar como seria o mundo sem filosofia por meio de uma história em quadrinhos ou, ainda, atualizar a alegoria da caverna de Platão assistindo a um curta-metragem. Essas são reflexões do professor de Filosofia Uanderson Menezes, da Escola Estadual João XXIII, localizada em Ipatinga, no Território Vale do Aço, que idealizou e coordena o projeto TV Filosofia João XXIII. A iniciativa, lançada em 2012 e disponível no YouTube, dinamizou o ensino da disciplina na instituição, movimentou toda a comunidade escolar e aumentou o interesse dos discentes pelo pensamento e reflexão filosóficos.

“Estou na escola há mais de 9 anos. Quando comecei, era um desafio ensinar a disciplina, pois havia um preconceito, os alunos questionavam a necessidade de estudá-la e a maioria dos professores que a ministravam não eram formados na área. Conquistei a atenção dos educandos e consegui que compreendessem a importância da Filosofia, que trata de assuntos que podem ser assimilados no cotidiano e contribui para torná-los mais reflexivos, críticos e conscientes de seu papel na sociedade”, explica.

Abusando da criatividade para tornar o conhecimento filosófico mais atrativo e aliando teoria e prática para ensinar o conteúdo didático, Uanderson conta que a TV Filosofia é fruto de outras experiências. “Além das aulas teóricas, antes do canal, realizamos exposições fotográficas com imagens de situações do cotidiano e os estudantes deveriam refletir sobre as ocasiões retratadas; jornal filosófico, fotonovelas, entre outros”, diz, acrescentando que os filósofos também invadirama rede social Facebook. “Criamos 120 perfis e os alunos, passando-se por esses pensadores, deveriam promover debates e conversas entre eles. A partir daí, começamos a utilizar vídeos. É uma geração muito narcisista, que gosta de se ver e se diverte sendo vista”, conclui.

O Projeto

Realizado com estudantes do 2º e 3º anos do Ensino Médio, o projeto preza, em todas as etapas, pelo protagonismo juvenil. “Eles são os responsáveis por todas as fases dos trabalhos, desde a escolha dos temas, pesquisas até elaboração dos roteiros, produção e edição dos vídeos”, destaca o docente. Ele destaca que a utilização da linguagem típica dos jovens torna mais acessíveis as obras e os pensamentos dos teóricos. “A maioria dos estudantes usam a tecnologia, internet, redes sociais diariamente. Então, a aula teve que habituar-se ao universo deles sem, é claro, banalizar o conteúdo filosófico. Todos possuem celulares, gostam de ouvir músicas, assistir vídeos, fotografar, assim, aproveitei o gosto e habilidade com recursos audiovisuais em prol da disciplina”, afirma.

A estudante Milena Fernandes Baptista enaltece a iniciativa e afirma que o projeto enriqueceu o aprendizado. “O projeto nos mostrou outro lado da filosofia, os vídeos exigiam muita pesquisa e debates, o que aumentou nosso conhecimento e interesse pela matéria, que é uma das minhas prediletas. Foi importante ter tido a confiança e a ajuda do professor, que nos incentivou a questionar mais, a aprofundar os nossos conhecimentos, a sair da zona de conforto e levar a discussão para além da sala de aula”, relata. O estudante Iago Henrique Oliveira compartilha da opinião da colega. “A TV tornou mais simples a compreensão do conteúdo, visto que, além de aprendermos, nós também produzíamos os programas e estudávamos muito sobre o tema que iríamos abordar”, afirma.

Além da TV Filosofia João XXIII, o docente também criou o blog Filosofia E. E. João XXIII. “Inserimos textos, alguns escritos pelos próprios estudantes, fotos, vídeos, indicação de livros, e-books, trabalhos, atividades e os resultados dos projetos executados”, explica. Atualmente, a plataforma conta com mais de 130 mil acessos.

Completando 6 anos em 2018 e consolidado no calendário da instituição de ensino, o projeto apresentará novidades no segundo semestre do ano. “A proposta é torná-lo interdisciplinar. Podemos unir a filosofia a outras áreas, como matemática, física, literatura. Além disso, iremos realizar um festival de curtas-metragens, cujos filmes serão embasados em livros que promovam a reflexão e o pensamento crítico”, destaca Uanderson.

Temáticas diversificadas

Uma diversidade de temas e preocupações tornaram-se alvo de investigação dos filósofos, cujos ensinamentos são fonte de pesquisa para os episódios da TV Filosofia, que entrelaça o pensamento filosófico e os assuntos e problemáticas da atualidade. “Os alunos foram estimulados a escolherem assuntos já trabalhados em aula, os conceitos filosóficos, os teóricos que se identificam para, então, criarem o roteiro. Muitos temas foram sugeridos como, por exemplo, a insatisfação com o corpo, a lógica aristotélica, a visão positiva do sofrimento para Nietzsche”, diz Uanderson Menezes.

Inspirada na escritora, filósofa e ativista francesa, Simone de Beauvoir, a estudante Milena Fernandes Baptista, em parceria com outras colegas de classe, produziu o episódio “O que eu mereço? #Respeito”, abordando o feminismo e a violência contra a mulher no Brasil. “Durante a preparação do vídeo, entendemos melhor o movimento feminista e amadurecemos nossas ideias. Nas pesquisas e gravações, nos emocionamos muito. Um trabalho escolar tem que ir além da pontuação, precisa ser transformador. Esse programa levou à reflexão sobre o que as mulheres enfrentam e que elas precisam ser respeitadas”, conclui.

No episódio “Pensadores Vorazes”, os estudantes narram a história de cinco filósofos, além da participação especial de uma grande “pensadora contemporânea” brasileira, que integram um reality show do pensamento, onde disputam uns contra os outros através de suas reflexões filosóficas. “O humor é uma estratégia muito boa, desde que não banalize o conhecimento. O tema precisa ser estudado, pois o humor não é algo simples e deve ser bem estruturado”, comenta o professor Uanderson. Outros vídeos refletem sobre a depressão, maioridade penal, justiça, ateísmo, solidão, preconceito racial, orientação sexual, ética na política, entre outros.

Premiado

Em 2015, o professor Uanderson Menezes conquistou, com o projeto TV Filosofia, a 9ª edição do Prêmio Professores do Brasil, iniciativa do Ministério da Educação, que visa reconhecer, divulgar e premiar o trabalho de educadores de escolas públicas que contribuem para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos  nas salas de aula. O projeto, um dos 1.488 inscritos em Minas Gerais, foi incluído entre os 30 ganhadores da nona edição, como o vencedor da Região Sudeste, na categoria Ensino Médio.

Por William Campos Viegas (Colaborador da ACS-SEE/MG)