Ensaio da adaptação da obra de Lewis Carroll

Alunos com os telefones celulares nas mãos, carteiras fora do lugar e uma sala de aula sem professor ou professora em frente ao quadro: pode parecer bagunça, mas é justamente o contrário. Os estudantes do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Ruy Pimenta, em Contagem, no Território Metropolitano de Minas Gerais, estão muito organizados para o ensaio da peça “Alice através do espelho”, adaptada da obra de Lewis Carroll e pertencente ao gênero literário non sense, que será apresentada no segundo bimestre deste ano letivo.

O projeto Teatro na Escola começou na Ruy Pimenta em 2017, com o objetivo de tornar mais prazeroso o aprendizado de gêneros literários – a ideia é incentivar os alunos a lerem e pesquisarem mais sobre o que aprenderam e escolher um livro para transformá-lo em uma peça teatral. Com a grande adesão dos estudantes e com a diferença que fez no ambiente e nos resultados escolares, os educadores decidiram dar continuidade.

Para este ano, serão 26 peças, uma para cada turma da escola, que é exclusiva de Ensino Médio. De acordo com a diretora Raimunda Maria Machado, em 2017 os alunos apresentaram trabalhos de diversos autores, como Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e até uma peça inspirada na obra O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Para ela, o Teatro na Escola é um projeto que deve permanecer no legado da escola pelas melhorias que ele proporcionou.

“Eles passaram a frequentar mais a biblioteca, a ler sobre os gêneros literários que estudam e isso melhorou muito o aprendizado, o rendimento na escola, o índice de aprovação e também os relacionamentos. Quando eles estão em trabalho de construção e ensaio da peça eles aprendem a gerenciar conflitos, melhoram a interação e até a conduta. Além disso, eles passaram a ser mais autônomos e responsáveis – com a falta de recursos, por exemplo, aprenderam a usar o que temos com racionalidade, não houve desperdício de nenhum tipo de material e usam as dependências da escola com mais responsabilidade, uma vez que o palco e o camarins são improvisados no pátio e podem ser danificados se não houver cuidado”, disse, orgulhosa, a diretora.

Alunos do Ensino Médio da Ruy Pimenta homenagearam a diretora com a peça

A professora responsável pela biblioteca, Cristiana Militão, emociona-se ao falar sobre os benefícios que o teatro proporcionou aos alunos. “Eles desenvolveram o gosto pela leitura, são companheiros uns com os outros, buscam alternativas para que possam desenvolver as tarefas, até a fala e a escrita deles melhoraram”, disse a educadora, que fica satisfeita ao ver que o projeto levou os estudantes tanto ao mundo da leitura quanto ao da sociabilidade.

A estudante Samara Santos foi a escolhida pelo segundo ano para ser a roteirista da peça “Alice através do espelho” e, por gostar tanto das obras do autor Lewis Carroll, surpreendeu a professora de Língua Portuguesa quando ela anunciou a data da apresentação deste ano – Samara, prontamente, respondeu que o roteiro, o cenário, o figurino e a sonoplastia já estavam elaborados. “No ano passado, quando a minha turma escolheu Alice (no país das maravilhas), fiquei muito empolgada, porque o livro e o filme são meus preferidos. Quando, em dezembro de 2017, soubemos que o projeto ia continuar, os colegas já deram a ideia de prosseguir também com a peça, e aí escrevi Alice Através do Espelho e dia 12 de janeiro já estava pronto”, disse a aluna do 3º anos, que já tem em seus planos um curso superior relacionado ao cinema.

A roteirista Samara atenta ao ensaio de

Intérprete da personagem Rainha Vermelha, a estudante Yasmin Santos era a mais vibrante do ensaio. “A minha personagem tem que se expressar muito, então tenho que me dedicar para cumprir esse papel e não decepcionar meus colegas. Para isso, tenho que fazer o quê? Ler bastante, viver o que está escrito no papel, ler e reler. A leitura é fundamental para uma interpretação de excelência”, disse, animada, a “Rainha Vermelha”.

Yasmin interpreta a Rainha Vermelha e firma o compromisso de ler muito para vier a personagem que está no papel. Foto: Franciele Xavier (SEE/MG)

Clássicos

As cortinas de um palco improvisado também se abrirão na sala multimeios da Escola Estadual Santos Dumont, em Belo Horizonte. A previsão é de que o espetáculo “Capitu”, adaptado da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, seja apresentado pelos alunos do 1º ano do Ensino Médio no início do segundo semestre deste ano, período em que a professora Cleise Moreira acredita estar tudo pronto para mais uma peça de teatro inspirada na literatura clássica.

“Trabalho a literatura juntamente com o teatro, acredito que dessa forma o aprendizado fica mais fácil e interessante. Como dou preferência aos clássicos, percebo que muitos alunos têm resistência em ler Machado de Assis, por exemplo. Por isso prefiro transformar suas obras em peças teatrais e pedir para que eles contem a história do jeito deles. O resultado é fantástico”, disse a professora de Língua Portuguesa.

Para 2018, ela espera um envolvimento tão bom quanto do ano passado, em que a peça apresentada foi uma adaptação do conto “Noite de Almirante”, também de Machado de Assis. “Tenho 12 anos como professora na rede estadual, e tem 12 anos que trabalho com adaptações de clássicos. Sei que a linguagem muitas vezes é difícil, por isso gosto de incentivá-los a ler bastante para interpretar. Em 2017, a turma de 2º ano do Ensino Médio fez uma adaptação brilhante, inclusive com a história no contexto dos anos 60. Alunos e professores se envolvem muito, dá trabalho, mas é o esforço de todos para que saia uma peça digna de aplausos de pé de toda a comunidade escolar”, disse, alegre, a professora.

Alunos do Ensino Médio da Escola Estadual Santos Dumont durante a peça Noite Almirante, adaptada do conto homônimo de Machado de Assis. Foto: Arquivo/Escola

Incentivo constante à leitura

Nas duas escolas, além do teatro como forma de imersão no mundo da leitura, há outros projetos de incentivo à prática de ler livros. Na Ruy Pimenta, a professora e responsável pela biblioteca Cristiana Militão organiza o Café com Poesia, um encontro em que alunos e professores criam suas poesias ou recitam aquelas de autores já conhecidos, enquanto tomam um café da tarde. “Eles acham tão bom que ficam perguntando quando será o próximo, já pegam um livro para treinar para recitar a próxima poesia. Aqui na escola percebemos que isso tem acrescentado muito no aprendizado e até na autonomia deles, o que certamente vai representar muito quando saírem da escola”, disse Cristiana.

Na Santos Dumont, a professora Cleise é uma das organizadoras de mais duas atividades de incentivo à leitura, além do teatro. A primeira é um concurso de redação programado para o segundo semestre, e a segunda é uma visita a Cordisburgo, no Território Metropolitano de Minas Gerais, para conhecer o Museu Casa Guimarães Rosa, que funciona na casa onde viveu o escritor João Guimarães Rosa. O Museu reúne reprodução de trechos de obras, textos críticos, histórias editoriais de livros, correspondências originais, e outros vários documentos textuais que compõem o rico acervo, inclusive objetos de uso pessoal do escritor.

“Este ano vamos fazer homenagens a autores mineiros e o primeiro deles será Guimarães Rosa. Já vamos começar a trabalhar em sala de aula o neologismo muito presente nas obras do escritor, além de ler bastante sobre ele, para já fazermos a visita bem conectados com o universo do autor de O Grande Sertão: Veredas. Além dele, vamos homenagear também o mineiro Carlos Drummond de Andrade, um dos mais influentes poetas brasileiros do século 20”, explicou a professora.